sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Há que instruir o povo, mas...



Há que instruir o povo. Afigura-se-nos, porém, que é presunção demasiada, em nosso parecer, pelo menos, pensar que o povo sem mais nem para quê vai ouvir-nos de boca aberta. Porque o povo não é um rebanho de carneiros! Mais ainda: estamos convencidos de que compreende, ou pelo menos pressente, que nós, os senhores, tão-pouco sabemos nada, ainda que nos apresentemos como mestres, e que precisamos que alguém nos ensine primeiro; eis por que efectivamente não respeita a nossa ciência, ou pelo menos não a ama. Quem tiver tido algum comércio com o povo poderá verificar por si próprio esta impressão. Para que o povo nos ouça, efectivamente, de boca aberta, há que começar por merecê-lo, isto é, por ganhar a sua confiança, o seu respeito e essa nossa ideia de que basta usarmos da palavra para ele nos ouvir boquiaberto... não é a mais indicada para granjearmos a sua confiança e muito menos a sua estima. Mas o povo compreende-o. Não há nada que o homem entenda melhor que o tom com que nos dirigimos a ele, o sentimento que ele nos inspira. A ingénua crença na nossa incomensurável sabedoria relativamente ao povo antolha-se-lhe grotesca e em muitas ocasiões considera-a mesmo ofensiva. E se, de repente, o povo também se convencesse (se o não sabe, suspeita-o) de que podia ensinar-nos alguma coisa, e nós, sem dar-lhe ouvidos, nem presumir semelhante coisa, rindo-nos das suas ideias e acolhendo com arrogância as suas instruções! E dizermos que o povo podia ensinar-nos muita coisa, quanto mais não fosse a maneira de o instruirmos.


Fiodor Dostoievski, in 'Diário de um Escritor'
É oportuno e muito útil lembrar que no povo há muito conhecimento não encontrado nos livros. É bom respeitar e perceber que esse conhecimento, muitas das vezes diverso do conhecimento erudito, é capaz de estabelecer uma relação de troca. A repreenção, o preconceito e a conceituação indevida do conhecimento popular acarreta problema na via da educação, de maneira que o oprimido não será capaz do desenvolvimento pleno. Os pensamentos e idéias devem ser analisados e discutidos para posterior conclusão, a fim da criação de um povo crítico e auto reflexivo. O letrado é responsável por ensinar ao povo, todavia, no povo há muita sabedoria para ser ensinada também! Pensem nisso...

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